A Sombra do Meu Pai e seu imenso legado imaterial (Crítica)
Dirigido por Akinola Davies Jr., A Sombra do Meu Pai é uma coprodução entre Reino Unido e Nigéria que fez sua estreia mundial na seleção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2025, onde conquistou a Menção Especial — um prêmio que reconhece filmes de qualidade artística excepcional que se destacam por sua originalidade e sensibilidade. O filme foi escolhido como a representação do Reino Unido para a categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar. Estrelado por Ṣọpẹ́ Dìrísù no papel do pai, acompanhado pelos jovens atores Chibuike Marvellous Egbo e Godwin Egbo interpretando os filhos, a história se passa na Nigéria de 1993 e acompanha dois irmãos que embarcam em uma jornada com o pai até Lagos durante a crise eleitoral do país. Assistimos o filme na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Crítica – A Sombra do Meu Pai
A Sombra do Meu Pai é um dos filmes mais tocantes do ano. Dirigido por Akinola Davies Jr., o longa, coprodução entre Reino Unido e Nigéria, fala sobre paternidade, ascendência e, acima de tudo, legado — essa presença imaterial que continua com a gente mesmo quando a pessoa já não está mais por perto.
É um filme simples, quase minimalista. A trama acompanha dois irmãos que embarcam em uma pequena viagem com o pai até a cidade, onde ele precisa resolver alguns assuntos. Mas é justamente nessa simplicidade que o filme encontra sua força. A relação entre os filhos e o pai é o centro de tudo — e é daí que nasce o que o filme tem de mais bonito.
Os dois garotos exalam carisma. Em várias cenas, eles trazem leveza, humor e uma inocência que faz a gente se apegar a eles. Só que, mesmo nesses momentos mais divertidos, o filme sempre deixa no ar algo imaterial, uma sensação de que há algo guardado entre eles e o pai — talvez uma mágoa, uma dúvida, algo que nunca foi dito. Desde a primeira aparição dele, dá pra sentir esse peso.

E o mais bonito é como o filme trabalha com o que não é falado. Ele não explica demais, não tem diálogos expositivos — tudo está nos gestos, nos olhares, no silêncio. A direção é muito sensível nesses detalhes, e a primeira aparição do pai, por exemplo, é quase poética: o vento soprando, o clima mudando, e ele surgindo como uma presença quase sobrenatural. Assim como a mãe, que também aparece brevemente em cenas que parecem pertencer mais ao campo espiritual do que ao real, observando os filhos de longe, como uma lembrança viva.
Essa escolha de direção diz muito sobre o filme e sobre a forma como ele enxerga os pais — porque, de um jeito ou de outro, nossos pais sempre estão presentes, mesmo quando não estão. Mesmo que você não tenha conhecido o seu pai, ou ele tenha sido ausente, essa “sombra” continua com você. Seja da forma que for, até como um amor por um time de futebol. É sobre essa presença imaterial que o filme fala, sobre o quanto ela molda quem somos.
Tem cenas realmente muito tocantes. Uma das mais bonitas é quando o pai conta para um dos filhos a origem do seu nome — o nome de um irmão que ele perdeu muito jovem, e que não queria deixar ser esquecido. Essa cena é simples, sem exagero, sem drama, mas cheia de sentimento. E, em vários momentos, a gente vê esse pai tentando passar valores, ensinando os filhos a dividir, a cuidar um do outro, a serem respeitosos. E talvez esse seja o maior legado que um pai pode deixar.

A história se passa na Nigéria de 1993, um período de forte instabilidade política e social que se arrastava desde o golpe militar de 1983, marcado por pobreza, tensões étnicas e pelas cicatrizes ainda abertas do imperialismo no continente africano. Sem ser panfletário, o filme reflete esse contexto através do cotidiano daquela família. O roteiro conecta a turbulência política ao drama íntimo do pai — um homem que resiste, mantém a dignidade e luta, não por si, mas pelos filhos. Ele fala de democracia, de esperança, de um país que pode ser melhor para as próximas gerações. No fundo, sua batalha é essa: deixar um mundo mais justo para quem vem depois.
No final, o filme mostra apenas o funeral do pai — sem mostrar sua morte, sem explicações claras sobre o que aconteceu. Mas não precisa. Porque a essa altura, a gente já entende o que ele deixou para os filhos: os ensinamentos, a força, o exemplo. O que fica não é a ausência, mas o legado.
No fim das contas, A Sombra do Meu Pai é um filme pequeno, mas imenso em emoção. Fala sobre ausência, amor e sobre o peso — e a beleza — do que é herdado. Um filme que mostra que o menos é mais, e que muitas vezes o que permanece não são as palavras, mas o silêncio, os gestos e as lembranças. Com certeza, um dos filmes mais humanos e sensíveis do ano.

Nota: 5/5
✍🏽 Marcelo Silva, CEO do Multi Nerdz
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